Adorava a
avozinha, gostava de ficar no colo dela bem aninhadinha, ouvindo as batidas do
seu coração.
Parecia fundo
musical das estórias que contava.
Um dia a
avozinha, muito séria, falou:- “Você quer saber de onde vêm todas as histórias
que há no mundo?”
- Quero vovó!
Respondeu, sem pestanejar.
- É um dos
maiores segredos que existem. Tem que ter paciência para aprender, leva tempo,
aliás, não se aprende nunca tudo, nem vivendo mil anos.
- Não faz
mal, avozinha. Sou muito nova, só tenho cinco anos.
- Está bem,
amanhã começaremos.
Duro foi
pegar no sono. Acordou cedinho. Correu a cozinha, já sentindo o cheiro gostoso
do café da avó.
-Bom dia
avozinha! Vamos começar?
-Bom dia,
meu amor! Calma. Primeiro vamos comer, depois começaremos.
Terminado,
foram para a sombra do cajueiro que havia no quintal dos fundos.
A Avozinha
sentou em um banco e a neta no chão à frente.
-Sabe
filhinha todos os segredos que existem no universo, inclusive o que só temos no
pensamento, podem ser revelados.
-Como
avozinha?
- Através das
letras. Pegue este graveto aí na sua frente e me dê aquele outro lá.
- Pronto
avozinha. E agora?
- Agora você
faz o que avozinha esta fazendo.
Com um
graveto nas mãozinhas, riscava o chão de terra batida imitando a avó.
-Dois riscos,
dizia a avozinha, imitando telhado de casa, com outro risco no meio, é o A.
- Um risco em
pé, tornava a avozinha, com meia bolinha em cima, do lado, e um rabinho de
cobra em baixo, é o é.
-Um risco em pé, falava a avozinha, com uma
bolinha bem pequena em cima, é o i.
-Uma bolinha, é o Ó, disse a avozinha.
-Dois riscos do lado e um embaixo, é o
U. Pronto. Você já sabe a primeira parte do
segredo. Tem que praticar todos os dias para não esquecer. Repita depois da
vovó: - “A, é i, ó, u.”
-A, É, I, Ó, U, repetiu a menina.
A avó foi para dentro de casa,
voltando com algo nas mãos.
-Isto é um caderno e um lápis,
conforme for aprendendo quero que vá escrevendo e repetindo tudo, esta bem?
-Esta bem avozinha! Respondeu enquanto
pegava o caderno e o lápis, pondo-se a escrever e ler em voz alta.
Não parou mais. Todos os dias a
avozinha ensinava letras novas e todos os dias, a menina juntava com as que já
sabia, escrevia e lia em voz alta.
-Agora, disse um dia, a avozinha vai
ensinar a escrever a sua primeira e mais importante palavra:- “Seu nome!”
Ela não disse nada, apenas olhou com
olhinhos brilhantes, como só criança sabe olhar.
-Não! Deixe os cadernos e lápis. Vamos
usar gravetos.
Sentou no mesmo lugar à sombra do
cajueiro, a menina a seus pés.
-Faça a letra que imita a cobra
rastejando, para cima.
-Assim:- s?
-Isto! Muito bem. Agora o risco em pé
e o pontinho em cima.
-i.
-A que é um risco grande sem pontinho.
-l.
-Aquela que você mais gosta:- "Um risco
em pé, com meia bolinha pro lado de lá e um rabinho de cobra embaixo."
-Hum! Hum! O e.
-Faça aquela que o risco sobe, faz uma
curva e desce.
- AH! Esta é o n.
-Chegamos à última letra:- "Repita a que
você mais gosta."
- É o e, avozinha.
-Levante-se.
-A menina obedeceu.
- Filha, você sabe seu nome? Perguntou
a avozinha com voz embargada.
-Sim, vovó!
-Então fale lendo a palavra que
escreveu no chão.
-Silene!...Silene!...Silene!
Emocionada, não conseguia mais parar
de ler e falar seu nome. Abraçou e beijou a avozinha, e saiu escrevendo seu
nome em todos os lugares que pode.
No dia seguinte ao acordar, a avozinha
estava ao lado de sua cama com um embrulho nas mãos, dizendo ser um presente.
Toda feliz abriu o pacote. Ficou
surpresa e um pouco decepcionada.
A avó percebendo passou as mãos em
seus cabelos.
-Isso, meu amorzinho, é o melhor
presente que posso lhe dar:- "Um livro!" Aí dentro tem todas as letras que
precisa compreender, quando conseguir terá desvendado o segredo mais sagrado da
vida:- "O conhecimento!"
Aos poucos, com a ajuda da avozinha,
foi entendendo todos os riscos que formam as letras, e com elas as palavras, e
com as palavras passou a ler e a escrever.
Através da leitura dos livros, pode viajar
e conhecer todos os cantos do planeta e fora dele, seus habitantes, suas
línguas, sua fauna, seus sentimentos.
Pode compreender o que era saudade, o
que era tristeza, solidão, alegria, dor, angústia, felicidade e amor. Descrever
acontecimentos de vidas alheias, o nascimento de um filho, a partida cheia de
tristeza, a chegada anunciada repleta de alegria.
Até que a busca do segredo tomou conta
de todo seu ser, e ao cumprir um pedido da avozinha, o de difundir o segredo
das letras, tornou-se Professora, assim maiúscula.
E um dia, ao rabiscar seu nome adicionou
Escritora.
Ivan de Souza Machado