terça-feira, 5 de julho de 2011

VIVER, APENAS, VIVER!

Quando ia sair com o caminhão, um carro estacionou bem na frente. Sabia quem era.
Desceu do caminhão andando em direção ao motorista do carro, que vinha ao seu encontro. Próximos um do outro, cumprimentam-se abraçando e beijando.
-Oi pai! Tudo bem?
-Oi filho! Como está?
-Está indo para aonde, pai?
-Vou fazer uma entrega em Santo Amaro.
-Mas, logo hoje véspera de ano novo, em que vamos viajar?
-Eu sei, mas não posso deixar este cliente na mão. É só ele, depois volto. Esta tudo arrumado dentro do carro. Sua mãe também esta com quase tudo pronto, para a ceia, lá na praia.
-Em casa também esta tudo arrumado. Vou fazer o seguinte, vamos juntos fazer esta entrega.
Voltou a seu carro. Tirou da frente do portão. O pai saiu com o caminhão. Ele estacionou seu carro.
Subiu no caminhão e foram embora.
Conversaram a viagem toda. Quando mais moço trabalhou para o pai, como ajudante, carregando e auxiliando nas entregas dos produtos que o pai vendia. Depois passou a vender e a dirigir, até fazer tudo sozinho.
Triste foi o dia, que teve que fazer estágio e ir trabalhar em outro lugar. Não voltou mais.
Ali, na cabine junto a seu pai, era como se nunca tivesse saído.
Ao chegarem, disse a seu pai que fosse lá dentro se entender com o cliente, que ele descarregaria os produtos.
Assim fez o pai, entrando no estabelecimento, enquanto ele abria o caminhão para retirar as mercadorias.
O pai cumprimentou o dono, avisando que o filho descarregaria os produtos, quando escutaram um barulho parecido com bombinhas de festas juninas, daquelas bem fraquinhas.
La fora começou um tremendo alvoroço. Alguém entrou na loja gritando, dizendo que assaltaram o caminhão.
Saiu correndo.
Ao chegar avistou seu filho, caído ao lado do caminhão. Ajoelhou ao seu lado, pôs a mão em sua cabeça, enquanto chamava por ele. Foi quando notou o sangue escorrendo por sob a sua cabeça. Começou a gritar pedindo socorro, enquanto tentava de todas as maneiras estancar o sangue que jorrava; sem conseguir.
Abraçou-se a ele. Chorava enquanto gritava seu nome, rezando pedindo a Deus que o poupasse.
Quando a policia chegou, encontrou-o assim, abraçado a seu filho.
Com muito custo tiraram-o de cima do corpo, já sem vida.
Ficou sentado ao lado. Observando enquanto a policia realizava a pericia técnica. Respondeu o que pôde, como pôde, às perguntas deles.
Chegaram parentes. Quando sua mulher chegou, desabaram juntos, deitados no chão, com as mãos nos cabelos dele. Única concessão das autoridades.
Ficaram ali, sabendo que nada poderiam fazer, querendo ir junto com ele.
Veio o carro do IML. Viram quando colocaram seu corpo no caixão e o levaram.
Foram para casa levados, por parentes.
Ao chegar foi ao banheiro. Só aí se deu conta do estado em que estava:- “Todo coberto de sangue”. Tomou um banho demorado.
Quando entrou no quarto, lembrou de sua esposa. Encontrou-a sentada no tapete da sala, no canto da parede, chorando baixinho, balbuciando frases que só ela entendia. Seus outros dois filhos ao lado dela, tentavam consolar, mas estavam igualmente desfeitos.
Ficou ali parado sem saber o que fazer. Precisava reagir tomar uma atitude.
Alguns parentes o aguardavam, tinha que tratar do enterro, providenciar a liberação do corpo, do atestado de óbito, do caixão, do cemitério. Era seu filho, sua obrigação.
No IML, véspera de feriado, nem médico legista havia. Teve que recorrer a amigos, para conseguir que um viesse trabalhar. Depois teve que negociar com funcionários, para que limpassem o corpo e o arrumassem no caixão.
Para convencê-lo a pagar o que pediam mostraram o corpo nu e retalhado de seu filho, sujo de sangue, com o peito costurado de cima a baixo, como sola de sapato. Tinha virado uma mercadoria.
Trouxeram o corpo para o velório.
Ao abrir o caixão, sua esposa, beijava e acariciava o rosto do filho, gentilmente, enquanto conversava com ele, lembrando do tempo em que era bebe, ainda dentro dela, protegido de tudo e de todos. Seu nenê. Sua criança. A dor que sentia, era maior que qualquer outra, a do parto logo passa, traz vida e alegria. Esta era para sempre.
O pai, o forte, o homem, tirou de sua mente toda a dor, todo sofrer. Não era hora. Se desabasse, levaria a família junto, tinha outros dois filhos, esposa, dependiam, precisavam dele.
Após o enterro, teve que providenciar a missa. Mandar confeccionar os “santinhos”. Avisar a todos o dia e hora.
Quando em casa, com a sensação do dever cumprido, sentado em um degrau da escada, pode chorar dar vazão a um sentimento que crescia dentro dele:- “O de culpa”. Pediria perdão a seu filho, pelo resto de seus dias, por querer ganhar dinheiro e ao levá-lo junto, pagar caro demais pela sua ganância. Nunca mais se recuperariam. Nem ele, nem sua esposa.
Ao tirar a vida do filho, tiraram a deles, também.

Ivan de S machado

2 comentários:

  1. Isidoro,

    Como sabemos viemos ao mundo já sabendo que iremos enterrar nossos pais, mas jamais esperamos ter que enterrar um filho e acontecer isso em véspera de Ano Novo, eu não consigo imaginar a dor dessa família. O sentimento de culpa deste pai. Quem somos nós para julgar a escolha que ele fez? Ele já está sofrendo tanto? Que este texto sirva pelo menos de lição para muitos.

    Fiquei triste, sei que acontece muito isso neste mundo cruel em que estamos vivendo e à mim, só cabe rezar. E pessoas como você sensibilizar seus leitores para que reflitam.

    Beijos

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